02/09/2014

PARATY, o último desenho

Não o consigo fazer de outra forma.
Quero começar por publicar o último desenho em vez do primeiro, até porque as estórias também se podem contar ao contrário. A verdade é que ainda não consegui esvaziar o contentamento e o entusiasmo que estes dias em Paraty me trouxeram, e acho que vai demorar. Não se explica por palavras e muito menos em desenhos, só mesmo estando lá, e os últimos são melhores que os primeiros, pelo simples facto de que a hora seguinte em Paraty foi sempre melhor que a anterior...
 
Nos próximos dias irei publicar vários, cada qual com a sua estória.
Apesar de estarem gravadas na minha cabeça, escrevi-as todas num caderninho durante a minha viagem de regresso de quase 30 horas, para as poder voltar a ler daqui por muito tempo se o esquecimento me invadir sem pedir.
 
Levantei-me às 6 da manhã, e meia hora depois já estava de mochila e mala com rodinhas a caminho da rodoviária, onde iria apanhar o ônibus que me traria de volta ao Rio (estes dias ainda venho seduzido com algumas palavras em brasileiro, e não resisto). Pelo caminho empedrado encontrei a Cristina, uma argentina de Buenos Aires que também regressava a casa. Não ficámos juntos no autocarro durante a viagem, mas iríamos partilhar táxi até ao aeroporto, onde tivemos uma hora de conversas.
Saímos às sete e vinte, numa viagem que demoraria cerca de quatro horas e meia. Não consegui dormir, ia invadido por um sentimento de saudade daqueles que tira o sono, mesmo que estejamos fisicamente de rastos. Duas horas depois entrou um rapaz franzino, de ar simpático, e que se sentou ao meu lado, no lugar da frente. Olhou de soslaio e fechou os olhos, adormecendo profundamente. Comecei a desenhar, para ver se me animava. Passado pouco tempo acordou, olhou para o desenho e envergonhadamente estendeu-me o polegar, num gesto simpático.
Começamos a falar, e de repente o desenho ganhava sentido. O Wagner tem 32 anos, apanhou o autocarro em Garatucaia, um bairro da periferia do Rio a cerca de 100 km. É cobrador de ônibus, e também DJ, mas hoje estava de folga. Viajava para o Rio para entregar uns documentos da sua filha  no hospital da Ilha do Governador, um bairro da cidade, e onde iria ser operada daí por uns dias a uma malformação de nascença. No final do dia regressaria, mas a Angra, onde iria colocar música no clube Vera Cruz, e de onde sairia às 4 da manhã. Daí por duas horas acordaria para trabalhar como cobrador.
Saiu antes de mim e estendeu-me a mão por entre um sorriso. Pediu-me para lhe enviar o desenho. Desejei-lhe que tudo corresse bem com a operação da filha dele. E vai correr, tenho a certeza.

I can not do it differently.
I want to start by publishing the last drawing instead of the first, because the stories can also be counted backwards. The truth is that I still can not empty the joy and enthusiasm that these days in Paraty brought to me, and I think it will take a long to go. It can not be explained in words, much less with drawings, just being there,  and the latter are better than the first ones, for the simple fact that the next hour in Paraty was always better than the previous...


In the coming days I will publish a number of drawings, each one with their own story.
Despite being written in my head, I wrote them all down in a small notebook during my return trip of almost 30 hours, so they can re-read here if forgetfulness invade me without asking.

I got up at 6 am, and half na hour after I was already with a suitcase on wheels on the way to the bus station, to catch the bus that would bring me back to Rio (these days I´m still seduced with a few words in Brazilian, and I can not resist). On the way, between a stoned road I found Cristina, an argentine from Buenos Aires who also returned home. We were not together on the bus during the trip, but we would share taxi to the airport, where we had an hour's conversation.
We left at seven-twenty, a trip that would take about four and a half hours. I could not sleep, was invaded by a feeling of nostalgia (saudade in portuguese has no translation), and I could´t sleep, even if we are physically tracked. Two hours later came a frail young man, friendly air, and who sat beside me in the front seat. Squinted and closed his eyes, deeply asleep. I started to draw, to see if I get better. Shortly woke up, looked at the drawing and shyly handed me a thumb, a nice gesture.
We started talking, and suddenly the drawing earned sense. Wagner has 32 ​​years, took the bus in Garatucaia, a neighborhood on the outskirts of Rio about 100 km far away. It is a bus collector, and also DJ, but was off work today. Traveled to Rio to deliver some documents of his daughter in the hospital Governor's Island, a neighborhood of the city, and where she will be operated in a few days to a birth malformation. At the end of the day he would return, but to Angra, where he will put music at club Vera Cruz, and which would leave at 4 in the morning. After two hours he wake up for work as a collector.
He left before me and held my hand through a smile. He asked me to send him the drawing. I wished him that everything went well with the operation of his daughter. And it will, I'm sure.


 

7 comentários:

  1. Que boa esta outra dimensão que acrescentas aos teus desenhos! Fica ansiosa por saber (e ver) mais...

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  2. As estórias associadas ao desenho são deliciosas e dão mesmo uma outra dimensão. Fico a aguardar pela continuação.

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  3. Doce encantamento com as vivências dos trópicos. Aguardamos mais histórias. Grande prazer em conhece-lo.

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  4. óptimo :) adoro histórias e desenhos, junatndo tudo fica perfeito

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  5. Nelson, este post foi de todos o que mais gostei! Mesmo muito. É por causa das estórias em redor dos desenhos :D
    Parabéns pelas reportagens!!

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